Encarnado e Branco

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domingo, 25 de janeiro de 2009

Sempre Fehér

Estava a ser uma tarde agradável de domingo. Tinha ido a Sacavém, a convite do companheiro Nuno Travassos - central do Sacavenense, para ver o Benfica B. O Nuno foi titular e fez exibição convincente, mas a segunda parte do Benfica B foi demolidora e aquilo deu para a goleada.
No fim ainda troquei uns dedos de conversa com o Nuno Travassos.
Depois foi o regresso a casa. Estranhamente nessa noite optei por ficar sozinho a acompanhar via tv o Vitória-Benfica. Costumo sempre acompanhar a equipa, quando não o faço junto-me a outros amigos benfiquistas para vermos juntos o jogo.
Mas naquela noite não foi assim.

Lembro-me do jogo. Mal jogado, terreno pesado, e um nulo teimoso que nos estava a enervar. Lembro-me perfeitamente de ver João Pereira dar o lugar a Fehér. Uma esperança para os últimos ataques à baliza dos minhotos. Quase no fim a explosão de alegria, Fernando Aguiar marca golo! Festejo sozinho, aos saltos e a gritar: Benfica! Foi de pé, em frente à tv, que vi Fehér retardar uma reposição de bola do Guimarães. Estávamos a ganhar, não havia pressa. Quando se apercebeu que ia levar um cartão amarelo mostrou um enorme sorriso. Contagiante. Também eu sorri, a aprovar o cartão. Foram os últimos instantes de felicidade na minha vida naqueles dias. O que se seguiu foi forte demais para algum dia nos esquecermos.

Fehér deixou-nos a meio da triunfante caminhada para o Jamor. A conquista da Taça foi dedicada a ele, e com ele no pensamento. Passou a fazer parte da nossa memória colectiva.
A sua dolorosa partida teve o efeito de unir quem por cá ficou. A resposta da equipa, do clube e dos adeptos foi de uma grandiosidade comovente. Os grandes clubes são também aqueles que sabem respeitar e dignificar o nome daqueles que o serviram.
Coincidência, ou não, a verdade é que a partir daquele dia trágico o Benfica partiu para a reconquista de troféus. A, já referida, Taça de Portugal apareceu logo no final dessa temporada.
Mas o presidente do clube foi mais longe, prometeu dedicar um título de campeão a Fehér. O tal campeonato que não era ganho há 10 anos. A verdade é que um ano e meio após o último sorriso, Fehér recebeu o título de campeão. E voltámos ao Jamor. Como perdemos tivemos que nos ir vingar ao Algarve e trazer a Supertaça.
Estes troféus também são teus, Miki!

Escrevi isto há 5 anos.

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posted by J G at 1:26 da tarde

2 Comentários:

O texto que segue foi por mim publicado em Fevereiro de 2002. Ainda é consultável na net.
…………………………….

ATÉ JÁ MIKY!

Acompanhei por razões de ofício o regresso definitivo do futebolista Miklos Fehér à Hungria. O fanatismo dos campos da bola é uma das caras da vida que temos. Eu vi outra. Budapeste e Gyor foram infelizmente Pátrias provisórias.

Deixem-me que vos confesse uma espécie de bigamia. Sou razoavelmente fanático por dois clubes – a Académica de Coimbra e o Sport Lisboa e Benfica.

Em Coimbra me fiz gente.

Resmunga o meu pai que em Coimbra me desgracei – eram os tempos em que a rebeldia se pagava com a polícia em cada ouvido, uma resma de anos de cadeia mais o bronco calhamaço na PIDE, que de resto os responsáveis da Torre do Tombo tiveram a gentileza de me deixar consultar.

Mais de seiscentas páginas de denúncias e devassas, onde não faltam cartas do meu avô, fotografias do estudante desassossegado, relatórios das minhas supostas tropelias e perigosidade correlativa.

Sou do Benfica porque o Glorioso nasceu pobre numa mercearia há cem anos e foi sempre o clube dos descamisados da nação.

E é vermelho.

Como o sangue, as papoilas, as planícies, a bandeira, o sangue de Jesus, o candeeiro que me alumia, a cor das unhas de Catarina Eufémia ao domingo e as lágrimas de Florbela Espanca pelo amor que não chegou.

A televisão mostrou-nos até à náusea a tragédia que um príncipe loiro viveu num jogo de futebol.

Dias e dias a fio, assaltaram-nos a liberdade com um massacre de imagens mil vezes repetidas e comentários da treta, que praticaram o habitual delito de não perceberem patavina da matéria, coisa em que aliás se doutoraram uma boa parte dos palrapateiros que comentam, relatam e peroram sobre futebol e minudências afins.

O futebol que se joga e endeusa no condado é um perigo público e com mais frequência caso criminal para o foro competente.
Excepções feitas, obvia e isentamente, à Académica e ao Benfica.

A Hungria esperou e recebeu em silêncio cúmplice e com olhos vermelhos a comitiva do Benfica, no aeroporto de Budapeste, coberto de geada.

O improviso nacional português não morava por aqueles lados.

Todos os membros da comitiva foram dispensados do ritual dos passaportes, cujos números tinham sido previamente recolhidos, ainda a bordo, pela irrepreessível organização do Benfica.

Do avião da TAP, pulámos para os autocarros que nos aguardavam mal pisámos solo húngaro, cujo Governo fez questão de estar presente e de fazer a caminhada até à cidade de Gyor, onde cresceu o infeliz jogador do Benfica.

O caminho foi feito em marcha lenta, pensávamos nós, porque se tratava de acompanhar uma urna, e até porque a extensa caravana foi sempre escoltada por batedores da polícia, de motos e carros mais os pirilampos e sirenes.

Enganámo-nos.

De regresso, o ritmo manteve-se porque naquela auto-estrada não é permitido circular a mais de 80 km/hora.

O Governo húngaro tem o maldito costume de dar bons exemplos aos seus concidadãos.

Vale a pena recordar como se comportam os pacóvios que nos governam. Estes, os anteriores. Todos.

No cemitério de Gyor, tudo e toda a gente era límpido como a neve que nos avisava o passo.

Nem um papel ou beata no chão, nem um sinal de desordem, nem um grito histérico – apenas o choro contido e valente de um povo que viu crescer para a vida e partir para o futebol dos tubarões gabarolas o “Mikki”, como lhe chamam e se habituaram a chamar-lhe os colegas de profissão, que aliás o acompanharam, com o seu treinador, até ao momento em que se ouviram os acordes do hino nacional da Hungria e o corpo de Fehér mudou definitivamente de morada.

Foi-nos, de seguida, oferecida uma recepção pelo Governo húngaro, a que não faltou um farto jantar num espaço idílico.

Faltaram os discursos. Dois brindeis a Eusébio, ao Presidente do Benfica e ao Secretário de Estado Hermínio Loureiro.

As autoridades húngaras não caçam convivas para os empanturrar de palavras vãs, coisa que surpreendeu a rapaziada posto que o parlapié dos nossos governantes – estes, os anteriores, todos - é a sarna que conhecemos.

Luís Filipe Vieira, Presidente do Benfica, é um sisudo com coração de manteiga, que assinou a decisão do clube fretar um avião para 165 pessoas.

Em vez de se espavonear entre jornalistas, andou preocupado com os seguros do atleta e a dor sem remédio da noiva, dos pais e família do Mikki.

Vieira é um Senhor. Subiu a vida a pulso, odeia a exibição obscena com que se rebarbam outros senhores presidentes, é inteligente, sagaz, ingénuo e duro de roer.

Comete, finalmente, os delitos imperdoáveis de ser honesto, amar a família e estimar os amigos.

Não posso garantir, mas estou desconfiado que Luís Filipe Vieira deve ser húngaro.

Garanto-vos, porém, porque sei, esta coisa simples: não se repetirá com este jovem futebolista a tragédia criminosa que atirou para uma cadeira de rodas e para a miséria o ex-futebolista do Sporting Cherbakov.

Até já, Mikki!

Viva o Benfica!

GUILHERME PEREIRA

( jornalista, carteira profissional 9964)
Blogger Guilherme Pereira, at 12:14 da manhã  
CORRECÇÃO

Por engano a teclar, aperece errado o número da minha carteira profissional de jornalistas, consultável no link da CCPJ (Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas).
O número correcto é
6964.
Desculpem!

GUILHERME PEREIRA
Blogger Guilherme Pereira, at 12:17 da manhã  

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